Mário Bertoncini: TJD, Justiça Desportiva, Tribunal, Procuradoria – O que é isso tudo?

27.01.2021

Mário Bertoncini: TJD, Justiça Desportiva, Tribunal, Procuradoria – O que é isso tudo?

TJD

A proposta desse artigo é mostrar de forma bem simples como funciona a Justiça Desportiva. As pessoas comumente se referem a ela como TJD, ou Tribunal.

Cada modalidade tem seu próprio TJD, estadual e nacional. Futebol, Futsal e Basquete são os que mais tem processos (principalmente os dois primeiros, que envolvem maior contato físico nas competições, além de outros aspectos, como culturalmente, a maior contestação por partes dos atletas das decisões das arbitragens).

1. A justiça desportiva basicamente funciona para resolver problemas de disciplina e interpretar os regulamentos das competições.

No primeiro ponto – disciplina – podemos indicar as duas situações que são mais frequentes no nosso Tribunal (do Futebol): ofensas verbais ou gestuais e agressões físicas. Nestes casos o ato perpetrado por uma atleta geralmente é punido com cartão vermelho. Ocorre que, em muitas situações, esse cartão “fica barato” demais… por isso há um julgamento onde, no caso de uma agressão física, o atleta profissional passa a estar sujeito a pena mínima de 4 partidas (nesse exemplo, ele ficaria fora uma partida pelo cartão, e mais três pela decisão da justiça desportiva).

2. Regulamento.

Tribunal atua quando um item do regulamento causa dúvidas aos clubes. Um exemplo ocorrido há uns anos: num determinado campeonato, havia duas chaves de 4 clubes. O campeão de cada grupo faria a final, sendo que o time com MAIOR NÚMERO DE PONTOS, jogaria a final em casa, além de conseguir a vantagem de jogar por dois resultados iguais. Ocorre que no Grupo A, um dos times desistiu do campeonato. Assim, os times dessa chave jogariam menos partidas (4, em turno e returno) que os da outra chave (6 no total). Por lógica, o campeão do outro grupo, teria mais pontos e faria a final com as vantagens, mesmo tendo um aproveitamento pior que o vencedor do outro grupo. O Regulamento daquela competição nada dizia em caso de desistência de uma equipe. O Tribunal “entrou em campo” e restabeleceu o equilíbrio: o time com maior APROVEITAMENTO faria a final com vantagens previstas no regulamento.

Dito isso, vamos entender “quem é o Tribunal” que atua nas competições organizadas pela Federação Catarinense de Futebol.

Tudo começa com o Pleno, onde atuam NOVE AUDITORES (Auditores de Justiça Desportiva JULGAM os processos). O corpo de auditores é formado pela representação dos envolvidos no Futebol de Santa Catarina: dois indicados pelos clubes, dois pelos atletas, dois pela Federação Catarinense de Futebol, um pelos Árbitros do quadro da FCF e dois pela OAB de Santa Catarina). O mandato destes é de 4 anos.

Estes nove – o Pleno – elegem seu Presidente e Vice (com mandato de um ano).

A FCF também envia uma lista com três nomes para que o Pleno eleja o Procurador Geral.

O Pleno também nomeia os demais procuradores e os Auditores das Comissões Disciplinares.

Aqui uma pausa para entender o papel desses dois últimos citados.

a. Procuradoria.

Formada pelo Procurador Geral e outros Procuradores. Funcionam como acusadores e fiscais de um processo. No exemplo dado acima – agressão física – o Árbitro faz o relato na súmula do jogo, a FCF ao recebê-la, encaminha ao Presidente do Tribunal, que encaminha a um Procurador. O Procurador analisa os fatos e faz uma DENÚNCIA contra o atleta agressor, ou, dependendo do caso, pede mais informações, ou mesmo pede o arquivamento, se entender que não houve nenhum fato relevante. Assim, os Procuradores fazem as denúncias a atuam como fiscais das Leis Desportivas e do Processo Desportivo (é muito comum comparar estas funções com o que faz o Ministério Público na Justiça comum – e de uma forma simplista, é isso mesmo).

b. Auditores.

Os Auditores do Pleno julgam certos processos especiais, e os comuns, em grau de recurso. Quem primeiro julga a grande maioria dos processos são os Auditores das COMISSÕES DISCIPLINARES. No caso de Santa Catarina, pelo volume de processos que nascem a cada ano (cerca de 350), trabalhamos com QUATRO Comissões Disciplinares. Cada uma trabalha com datas pré definidas (a 1ª CD atua na primeira Terça Feira do mês, a 2ª na segunda terça feira, e assim sucessivamente).

Cada LIGA tem uma Comissão Disciplinar própria que atua nos processos originados dos jogos e torneiros organizados por ela. Nesse caso, além dos Auditores, o PLENO indica também um Procurador para ali atuar.

De modo semelhante, no âmbito nacional, existe o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) do Futebol Brasileiro, que funciona no Rio de Janeiro. O Pleno do STJD nomeia os Procuradores e os Auditores que atuam em seus processos, correlatos às competições organizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Vamos agora formular um exemplo:

Num jogo válido pelo campeonato Catarinense da Primeira Divisão, um atleta pratica uma agressão física. O Árbitro aplica o cartão vermelho direto, e assim relata na súmula: “cartão vermelho direto – aos 31 minutos do segundo tempo expulsei de forma direta, o senhor X, camisa número 17 da equipe do Y, por golpear seu adversário com um soco, na altura do peito, após uma falta marcada a favor de sua equipe…”.

A Súmula chega na FCF que, por sua vez, encaminha ao Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Santa Catarina. Este determina que o processo vá para a Procuradoria de Justiça Desportiva para se manifestar.

A Procuradoria, através de um procurador de primeiro grau (não o Procurador Geral) oferece DENÚNCIA em face do atleta, com base no artigo 254-A do Código Brasileiro de Justiça Desportiva:

Art. 254-A. Praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente.

PENA: suspensão de quatro a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta (…).

O Presidente do TJD Fut SC RECEBE agora o processo já com a denúncia e determina que seja encaminhado para uma das Comissões Disciplinares para julgamento. Os envolvidos são cientificados para apresentar defesa, acompanhar o julgamento e produzir provas (vídeo e testemunhas, são as mais comuns).

No dia do julgamento uma COMISSÃO DISCIPLINAR (até cinco Auditores) analisa tudo e profere uma decisão (aqui, para exemplo, aplica 4 jogos de suspensão). Quem não se sentir satisfeito RECORRE ao Pleno. Se o recurso é do atleta, ele tem direito a cumprir parte da pena DEPOIS do julgamento do seu recurso (o famoso efeito suspensivo, que não depende do Tribunal, por é matéria PREVISTA em Lei – ou seja, um direito de quem recorre).

Com o recurso, o PLENO julga de novo o caso e, havendo novo descontentamento, há um NOVO RECURSO para que o STJD julgue o mesmo caso. No caso do Atleta, se quiser atuar até o julgamento final, faz novo pedido de efeito suspensivo ao Pleno do STJD.

Assim, o atleta X foi Denunciado pela Procuradoria de Justiça Desportiva do Futebol de Santa Catarina, e depois julgado por uma COMISSÃO DISCIPLINAR. Insatisfeito, RECORREU ao PLENO DO TJD do Futebol de SC, requerendo o efeito suspensivo. Foi novamente julgado e a pena permaneceu a mesma. Recorreu de novo, desta vez ao Pleno do STJD, fazendo novo pedido de efeito suspensivo.

Em resumo: recebeu cartão vermelho e vai ser julgado pelo Tribunal (abreviação de tudo acima narrado).

Vejam: o Campeonato Catarinense é curto demais… e o Campeonato Brasileiro é longo demais. Mas o MESMO código (e recursos) se aplica de igual forma aos dois casos. Não faz sentido!

Entendo que melhor seria que nos campeonatos organizados pela FCF, os processos fossem julgados por uma Comissão Disciplinar, e havendo descontentamento, apenas UM recurso ao pelo Pleno do TJD do Futebol de Santa Catarina. Após isso, só poderia “subir” ao STJD em casos restritos, como por exemplo, quando indicasse alguma nulidade processual.

Da forma como está, quem quiser, recorre duas vezes (ao Pleno de SC e depois ao STJD) dificultando muito que a correta punição ocorra no mesmo campeonato.

Quer saber mais? Nos Campeonatos Nacionais (longos), só há julgamento pelas Comissões Disciplinares do STJD e depois há o recurso ao Pleno do STJD. Nos campeonatos Estaduais (curtos), há julgamento pelas Comissões Disciplinares do TJD e depois recurso ao Pleno do TJD e depois recurso ao Pleno do STJD.

Concluo ser necessário uma modificação na Lei Geral do Esporte (Lei 9.615/98), para resumir o trâmite dos processos originados nos torneios regionais (Federações). Em outras palavras: restringir a possibilidade de recursos ao STJD em relação aos processos já julgados aqui pelo nosso TJD-Fut-SC.

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